quarta-feira, 22 de julho de 2009

Quarenta anos no deserto

Esperando pela minha entrevista com o Swami, eu
recolhia sementes como fazia sempre onde quer que fosse.
As plantas eram a minha vida e tinha trabalhado durante
dezoito anos como horticultor. Mais ou menos desde o
tempo na infância em que eu imaginava tornar-me um
monge, as plantas tinham-se tornado a minha paixão.
Eu estava fascinado com a gigante Impatiens que crescia
num canto da casa do Swami, debaixo de uma árvore. Este
tipo de planta obteve este nome, que significa impaciente,
porque as vagens literalmente explodem quando
amadurecem. No local errado pode ser altamente invasiva.
Perguntava a mim próprio como é que esta Impatiens isolada
tinha chegado ali. Eu segurava nas minhas mãos em concha
as vagens porque ao menor toque poderia espalhar as
sementes sem dar por isso.
Foi então que o Swami apareceu,
muito divertido com a forma como isto estava a acontecer.
Ele e eu divertimo-nos a esmagar cada vagem, tentando
apanhar as sementes, rindo e conversando enquanto o
fazíamos.
As sementes maduras eram pretas e as não maduras
brancas. A minha experiência era que uma semente pode
continuar a amadurecer se estiver completamente formada,
germina e cresce.
O Swami agarrou na minha mão em
concha segurando os frutos do nosso trabalho cheio de
diversão: era uma mão cheia de lindos pontos pretos e
brancos: apenas dois dias antes, o scan do IRM na Holanda
mostrou os nódulos linfáticos cancerosos a branco e os
normais a preto.
Ele disse, “Sabes, os brancos nunca
crescerão”
Devido ao meu conhecimento profissional, eu
disse, “Bem, realmente se os deixares amadurecer, muitos
deles germinarão…”
Apertando a minha mão fortemente o
Swami disse em voz alta, com os seus olhos a brilhar, ”NÃO!
...Não, eles nunca crescerão. Não têm vida.”
Na minha mente eu estava a dizer qualquer coisa como,
“Ele é realmente bom nos assuntos de Swami mas parece-me
que ele simplesmente não sabe muito sobre horticultura…”
Mamma mia. Sorrindo, ele saiu e disse que eu devia voltar a
estar com ele às duas horas.
Quarenta anos no deserto
Voltando uma hora mais tarde, eu ainda não estava
consciente do que tinha realmente acontecido antes. Ele deu-me
um óleo de tratamento e disse-me firmemente que eu
não ia morrer de cancro e que tinha que me manter positivo.
Fechou as mãos e os olhos e disse o meu nome, Michael.
Quando abriu as mãos, estava lá um anel. Eu atirei os meus
braços à sua volta ao estilo italiano e disse-lhe que o amava.
Eu não me recordo de tudo o que ele ou eu disse. Estávamos
nadando num mar quente de sentimento. Disse ao Swami
que queria ser iniciado e ele disse. “Claro, fazemos isso hoje
à noite depois do darshan”.
De seguida, fui até uma pequena capela cheia de ícones
onde pude assimilar tudo o que tinha acabado de acontecer.
Reconheci este como exactamente o mesmo fim-de-semana
do Dia do Trabalhador que tinha acontecido precisamente
há quarenta anos atrás quando eu tentei ser um monge pela
primeira vez: Era uma metáfora bíblica. Eu tinha entrado
para a ordem Dominicana em Providence, Rhode Island, há
quarenta anos atrás. Agora parecia que quarenta anos a
vaguear no deserto tinham chegado ao fim. Apercebendo-me
que a busca tinha terminado, de que tinha alcançado a
Terra Prometida, encostei a minha face no chão e chorei.
Gratidão e alívio inundaram-me. Tinha transportado um
coração destroçado por tanto tempo. Naquele momento,
todas as minhas aspirações desde a infância foram
satisfeitas. Eu sabia que estava a ser curado de todas as
formas.
As sementes de uma nova vida espiritual foram lançadas
em mim nessa noite de iniciação. Tenho a certeza que elas se
tornarão flor e darão muitos frutos. Pelo desígnio divino, o
meu anjo da guarda e amiga Madhevi estava ali a
testemunhar, quando o Swami me iniciou como jal
brahmachari Shrihara. O nome representa Lakshmi e Vishnu,
o eterno feminino e o eterno masculino.
Foi apenas quando conduzia de volta à Holanda que eu
percebi o real significado das palavras do Swami quando
apanhámos as sementes: “As brancas nunca crescerão! Não têm
vida!”. Agora não ficarei surpreendido se quando plantar
todas aquelas sementes de Impatiens, metade não crescerem.
S. Tomás de Aquino, o místico Dominicano medieval,
concebeu a expressão ”félix culpa” para descrever o pecado
original, a culpa feliz, a afortunada culpa da natureza humana
que chama por um salvador e trouxe Jesus para o mundo.
Sem a culpa feliz do cancro, eu podia nunca ter sido
abençoado com a presença do Swami na minha vida. Talvez
ele me estivesse a chamar desde sempre, esperando que o
veículo do cancro me trouxesse de volta à lembrança do meu
verdadeiro Self e a uma condição de prontidão.
Num retiro nos EUA nesse mesmo ano, o Swami falou
dele próprio como uma ponte – a ponte para Deus.
Deus é o verdadeiro destino.
S. - EUA

Imagem de Saint Panteleimon (the greek Healer) por Nicholas Roerich.

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